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domingo, 26 de agosto de 2012

O Amanhecer das Princesas na Cachoeira do Jaguar - II






Capítulo II



                   Salve Deus!
                   Meu filho Jaguar:

                   Deus de fato, toma cedo ou tarde o partido dos que se dizem inocentes. Porque o Cristianismo surgiu por canais piedosos numa Era difícil. A Alma e o Perispírito são sempre os mesmos e por esta força, se opera pelo compromisso ao Etéreo e se desenvolvem na vontade de Deus.
                   Sim, Jurema dormia. Os escravos não sabiam sair da Senzala e o dia começava a raiar. Pai Zé Pedro pediu a Pai João que a deixasse sob seus cuidados, que ele determinaria outros para zelar da pequena Jurema. Pai João era escravo recente naquela Senzala.
                   O Feitor chegando inesperadamente à soleira gritou e todos tomaram um rumo, exceto Pai Zé Pedro que era protegido do Sinhozinho. – Quem é essa crioula Zé Pedro? – É Jurema, que desde ontem não quer se levantar. Está sofrendo pela mãe que está no tronco. – O quê? (exclamou o Feitor) – Quem já viu uma crioula com um mimo destes? Mimo é para Sinhazinha. Vou levanta-la agora mesmo com este chicote. E marchando para a cama de Jurema, fez menção de levantar o chicote quando se ouviu o grito de Pai Zé Pedro:
                   - Se arremessar eu o mato! E o seu grito foi tão grande que se fez ouvir em toda redondeza, enfurecendo ainda mais o Feitor que arremessava o chicote de qualquer jeito, blasfemando horrores e ameaçando contar ao Sinhozinho de Jurema.
                   - Não! (gritou Pai Zé Pedro) – Não fará! Os Ferreiras são muito malvados, não fará! Ouviram a risada sarcástica do Feitor. Então não se sabe como, centenas de negros apareceram intimidando o Feitor apenas com suas presenças; Nagôs que já tinham ganho sua alforria pela velhice e pela doença. O Feitor que agia escondido do Sinhozinho saiu dali calado e foi avisar sobre Jurema. Foi um reboliço. O Senhor de Pai Zé Pedro mandou chamá-lo e pediu notícias do que estava acontecendo. Pai Zé Pedro disse que havia sido por malcriação da pequena crioula.
                   - O que devemos fazer? Enquanto falava, o Senhor de Jurema já estava na Senzala e como um raio já tinha Jurema desmaiada em seus braços, espraguejando de raiva. – Tanto a mãe como as filhas são feras, são irresponsáveis, são negras malvadas, imundas! Estes Nagôs... não tenho palavras para suas blasfêmias.
                   De repente ouviu-se um estampido na serra e todos correram para olhar ou chegar mais perto, quando todos gritavam: - Afastem-se, afastem-se! Juntem as armas, atirem! Não deixem que eles desçam até aqui!
                   Sim. Todos corriam abandonando a fazenda, menos Pai Zé Pedro e Pai João que correram para proteger os seus Senhores da Casa Grande.
                   Era horrível. Trapos de negros revoltados pela escravidão. Arrebentavam tudo por onde passavam, matavam as crianças, levavam o que podiam; inclusive animais, etc. Em meio daquele pânico os negros chegaram e Pai Zé Pedro na soleira, gritou em voz alta:
                   - Parem, parem!
                   Um silêncio muito grande se fez ouvir. Os negros estacaram e ficaram como que petrificados.
                   - Sigam seus destinos, levem algumas leitoas e vão-se embora.
                   - Tem alguém no tronco? (perguntaram) – Não, aqui não encontrarão nem tronco. O meu Senhor é o meu filho (continuou Pai Zé Pedro). Nisto Pai João saiu de trás de uma árvore muito grande que tinha na frente da Casa Grande, e um crioulo em cima de um cavalo deu um tiro ferindo seu ombro. Jurema já havia se libertado do seu Senhor, pois o mesmo ao ver os negros jogou-a no chão e saiu correndo. Jurema ao se libertar correu para socorrer Pai João.
                   - Queremos o Senhor branco! (gritavam os negros). Pai João com ternura disse: - Chega! Chega, Deus pode castigar! O ódio é amigo da fome. Voltem para seus donos, as onças vão lhes comer nestas matas! Deixem de ódio, vamos, desçam... eu não tenho medo de vocês! (dizia Pai João morrendo de dor).
                   - Sim, vamos descer, disse um velho africano e num pulo já estavam juntos de Pai Zé Pedro. Se sentaram no terreiro como se quisessem ouvir o que ele queria dizer. Pai Zé Pedro começou a falar e perguntar a razão de suas fugas, o porquê de estarem fugindo. Eles contaram então a sua história.
                   - Éramos trinta, entre homens, mulheres e crianças. O nosso Sinhozinho entregou-nos pro Feitor e todo dia morria nego de apanhar, então resolvemos sair matando até encontrarmos sossego.
                   - De onde vocês vêm? (perguntou Pai Zé Pedro) – Viemos da Fazenda Esperança, no Engenho Velho. – Como? O Engenho Velho fica muito longe daqui. Meu Deus! (exclamou Pai Zé Pedro). Os negros como se estivessem enfeitiçados disseram: - Vamos ficar aqui, se o senhor deixar. Obedeceremos e não aborreceremos ninguém. – Oh! Meu Deus! (gemeu Pai Zé Pedro) Já temos muitos negros. Nisso de lá gritou uma crioula marcando seus trinta anos: Eu sei tecer e fia, desde que me dê algodão. Desceram mais ou menos umas oito crioulas, entre 18 e 35 anos e negros também nesta mesma idade.
                   - Chame o Senhor, se adiantou o tal Jerônimo, que parecia dominar a tropa.
                   Nisto, o Senhor sai na varanda e os negros se ajoelharam no chão pedindo perdão como crianças. Eram Almas em busca de Luz, mariposas encandeadas pela Luz. Desta vez foi diferente, os negros é quem decidiram a situação. Foram se acomodando na Senzala, deixando Pai Zé Pedro preocupado.
                   Foi fazer uma vidência daquele quadro e ali cochilou entrando em transe. Viu todo aquele grupo de velhos e tradicionais Centuriões da antiga e já distante Roma. Viu também Pai Seta Branca que lhe disse: - Calma, calma José Pedro. Estes Centuriões que hoje são negros estão sob sua tutela. Foram seus algozes e entre eles está também Messalina, Policena, Emeritiana hoje na figura de Zefa. Salve Deus, José Pedro! Amor, Tolerância e Humildade! E assim desapareceu. Pai Zé Pedro despertou com o barulho deles. Sim, e João? O que vai pensar? Como irá entender isso? Oh! Meu Deus! Como me libertarei? Nisso Jurema vem correndo ao seu encontro. – Pai Zé Pedro, Pai João! Eu vi um Índio muito lindo que me falou sobre esses negros! Eles são nossos e vieram para nos salvar do meu Sinhozinho. Pai João deu uma risada e disse: - Salve Deus! Eu não o vi, porém senti tudo que passou. Jurema! Tu és minha filha! Eu e a sua mãe somos dois amores. Os três se abraçaram quando se ouviu a voz do Sinhozinho dono da fazenda.
                   - Eu quero também me confraternizar neste abraço. Zé Pedro, você salvou as nossas vidas. E virando para Jurema disse: - Vou comprar a tua mãe e tua irmã, a Juremá. Os quatro pularam de alegria com as cabeças juntas e também em um só coração. Depois, como se despertassem daquela felicidade disseram: - Hoje faremos a maior festa no Congá. Suas atenções se voltaram para os velhos Jaguares, negros Centuriões que estavam batendo os pés e palmas cantando uma linguagem Nagô.
                   - Oh! Meu Deus! (disse Pai Zé Pedro a Pai João) – Emeritiana está ali e Antera também! O que será de nós João?
                   Respondeu-lhe então Pai João com calma, segurando no ombro ferido: - Onde está o Amor, está a compreensão!
                   Sim, à noite foi um grande preparativo para a festa no Congá. Os tambores começavam a tocar, os chegantes pareciam tão disciplinados como os outros. De repente, ouviu-se um grito. Era Iramar que acabava de chegar esbaforida. O Povo da Fazenda dos Ferreiras estava cercando a Fazenda e iam levar Jurema. Foi pânico. Ninguém se entendia, até que Pai Zé Pedro novamente comandou todo o povo que lhe obedeceu. Salve Deus! Porém, todo o povo ficou em suspense... Foi horrível.
                   Na semana vindoura saberemos o resto. Salve Deus, meu filho Jaguar! Procure sempre se encontrar nesta história, nestes personagens. Que a compreensão esteja contigo para que a felicidade possa te alcançar.
É o que te deseja a Mãe em Cristo
Tia Neiva
                   Vale do Amanhecer, 15 de dezembro de 1979.

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